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As mulheres devem ser protagonistas da recuperação pós-pandemia

Ph. Ada Yokota via Getty Images

Para serem eficazes, as medidas econômicas e sociais devem ter enfoque de gênero

Juan E. Notaro

Presidente Executivo do FONPLATA

A situação da COVID-19 em todo o mundo afetou mais severamente as mulheres, especialmente na América Latina, onde trabalham principalmente no setor informal da economia.

“As mulheres ganham menos, poupam menos, têm empregos menos seguros, são mais propensas a trabalhar na economia informal e, consequentemente, a ter um nível de proteção social inferior”, disse Phumzile Mlambo-Ngcuka, Diretora-Executiva da ONU Mulheres, em recente evento virtual, organizado pela OIT.

As mulheres também constituem a maior força de trabalho no comércio e nos serviços, setores mais afetados pelas medidas de fechamento de comércio e restrições à circulação. Além disso, costumam ser responsáveis pelas tarefas domésticas e pelo cuidado de idosos ou doentes.

Os indicadores já eram pouco alentadores antes da pandemia: “maior informalidade, maior incidência de trabalho em tempo parcial, salários mais baixos, menor proteção social e maior volatilidade face às flutuações da economia”, segundo o relatório “O Coronavírus e os desafios para o trabalho das mulheres na América Latina”, elaborado pelo PNUD.

Uma vez declarada a emergência, a situação só piorou: as mulheres latino-americanas deixaram de gerar renda em proporção maior do que os homens, sua carga de trabalho doméstico aumentou e os casos de violência doméstica aumentaram de forma alarmante.

Um documento da OEA denuncia que “a emergência derivada da COVID-19 está causando impactos específicos nas mulheres e aprofundando as desigualdades de gênero existentes, tanto dentro quanto fora de casa, nos hospitais e centros de saúde, no trabalho e também na política”.

Como lidamos com esse panorama? Como podemos evitar que essas desigualdades que a pandemia exacerbou continuem a se aprofundar? Qual a responsabilidade das agências de desenvolvimento na melhoria da situação das mulheres no mundo pós-pandemia?

Valeria Esquivel, coordenadora de pesquisa sobre gênero e desenvolvimento da OIT, sugere a implementação de políticas que as ajudem a manter seus empregos, já que as mulheres têm maiores dificuldades do que os homens para retornar ao trabalho remunerado uma vez superadas as crises.

Uma declaração promovida pela ONU Mulheres propõe “maior investimento na orçamentação com perspectiva de gênero em escala mundial, com vistas a assegurar que as políticas fiscais promovam a igualdade de gênero na recuperação em curto e longo prazos”.

Alicia Bárcena, diretora executiva da Comissão Econômica para a América Latina afirma, afirma em comunicado que são necessárias “políticas econômicas, de emprego, saúde, educação e proteção social, a partir da promoção da corresponsabilidade social e de gênero”.

Visão compartilhada pela economista Alma Espino e pela socióloga Daniela de los Santos, pesquisadoras especializadas em gênero do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre o Desenvolvimento do Uruguai e autoras de relatório para a ONU Mulheres, no qual sustentam que “as medidas econômicas e sociais para responder à crise econômica e de saúde devem ser tomadas a partir de uma perspectiva de gênero que leve em conta seus impactos diferenciados sobre mulheres e homens”.

Os governos e as organizações de desenvolvimento da região já estão comprometidos com essa tarefa. Assim, por exemplo, a Argentina anunciou recentemente um “plano para o desenvolvimento de obras públicas com perspectiva de gênero”.

No FONPLATA – Banco de Desenvolvimento, estamos promovendo, também na Argentina, a geração de emprego feminino com programas como “Água e Esgoto mais Trabalho”, que, além de fornecer água e saneamento e gerar novos postos de trabalho, estabelece que deve haver igualdade de gênero nas contratações.

Também na Bolívia, nosso programa “Infraestrutura Urbana para Geração de Emprego” estabelece que as equipes de trabalho devem ser compostas por 50% de homens e 50% de mulheres, embora em algumas áreas a participação feminina chegue a 80%, muitas delas jovens.

O programa abrange 21 cidades intermediárias em todos os departamentos do país e vai beneficiar sete milhões de pessoas. Inclui as 3 cidades do eixo central (El Alto–La Paz, Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra), onde vivem 50% dos bolivianos e é gerado 45% do PIB nacional.

Trata-se de obras de infraestrutura, como pavimentação de vias para veículos e de pedestres, construção e consolidação de áreas verdes, construção e melhoria de áreas de lazer e iluminação pública.

Além de fomentar a inserção das mulheres no mercado de trabalho, essas infraestruturas urbanas integrais promovem a construção de cidades sustentáveis, acessíveis e inclusivas, melhor interação social e intergeracional e estimulam a participação da sociedade civil.

Iniciativas como essa já deram resultados, que contribuem para melhorar a situação das beneficiárias, e queremos continuar a promover e incorporar mais projetos do FONPLATA, para que as mulheres estejam no centro da recuperação pós-pandemia.

Superar as desigualdades históricas que listei no início exige ação coordenada nessa direção. Como diz María-Noel Vaeza,Diretora da ONU Mulheres para as Américas: “Se não contarem conosco para sairmos da crise econômica, este continente vai demorar muitos anos mais para se recuperar”.

Texto publicado originalmente na coluna mensal de Juan E. Notaro no Huffington Post.

01/11/2020